domingo, 22 de novembro de 2009

líricas

e não vale acordar
quem acaso repouse
na colina sem árvores.
Contudo, esta é uma carta.


meu amor, entre as árvores que secam

eu te procuro, você não está mais
aqui,
e este inverno que você queria
agora cresce sozinho nas margens de minha memória.

choveu, você sabe.
a montanha que levava teu nome
lançou em direção ao sol sua grande massa triunfante.
choveu. a água
inundou os caminhos. mais uma vez,
no chão duro
o torpor das conchas.

eu te procuro, já
larguei tudo.
a casa está cega apesar da luz.
fria também,
apesar de todo fogo, secretamente
atingida por tua ausência.

que outro caminharia,
senão eu? já passou
a hora.

um homem se preocupa com o que ama
e o que ama
o sustém mais alto além de si.
é tarde, agora,
para dizer tudo, para salvar algo, talvez.
eu vou,
não quero te esquecer
mas já fiquei tão longe.
diga-me que a estrada é bela,
você, meu amor, entre as árvores que desabam.

choveu, você sabe,
sobre todas as palavras que eu guardei pra você.
sobre todas as palavras, esse leito de silêncio
ou aflição.
é o medo tão pequeno
com seus dedos. eu o conheço desde sempre
e toda vez
ele asfixia meu coração
quando você se afasta.
as palavras que sobram são palavras
de pavor. meu amor,
só quero que você me aqueça, nesse invvvferno
entre as palavras que tremem.

é noite agora,
sobre todas as árvores do jardim. os galhos
quebram. a casa.
é noite pra sempre, porque
caminho só
nesse jardim, e apenas a noite
glacial me acolhe.

não sei o que em mim
só quer me lembrar
que um dia o céu reuniu-se à terra um instante por nós dois.
meu amor,
ainda que tão longe,
encontra-me entre a mesmice dos dias.

PS: Did it make you ache so leaving me?


PS2: E sem nenhum sinal dessa água que o sol secou mas de cujo contato ainda me sinto friorento e meio úmido (penso agora que seria mais justo, do mar do sonho, dizer que o sol o afugentou, porque os sonhos são como as aves porque crescem e vivem no ar). [J.C.]



Voyage d'hiver

Ô mon amour, parmi les herbes qui blanchissent

Je te cherche, tu n'es plus
là,
et cet hiver que tu voulais
grandit seul maintenant sur les marges de ma mémoire.

Il a neigé, sais-tu.
La montagne qui portait ton nom
lance vers le soleil sa haute masse triomphante.
Il a neigé. Le givre
envahit les chemins. C'est à nouveau
dans le sol dur
le même assoupissement des coquilles.

Je te cherche, j’ai
tout laissé.
La maison est aveugle malgré les lampes.
Froide aussi,
malgré tous le feux, secrètement
blessée par ton absence.
qui d'autre
marcherait que moi ? Il est tard
dans le temps.
Un homme se soucie de ce qu'il aime
et ce qu'il aime
le maintient plus haut que lui.
Il est tard, maintenant,
pour dire tout, pour le sauver peut-être.
Je marche, j'ai
marché.
Dis-moi que ce voyage est beau,
toi, mon amour, parmi les herbes qui blanchissent.

Il a neigé, sais-tu,
sur tous les mots que je gardais pour toi.
Sur tous les mots, c'est une couche de silence
ou de détresse.
C'est la peur si petite
avec ses doigts. Je la connais depuis toujours
et chaque fois
elle étouffe mon cœur
quand tu t'éloignes.
Les mots qui restent sont des mots
d'effroi. Ô mon amour,
réchauffe-moi parmi ces mots qui tremblent.

C'est la nuit, maintenant,
sur tous les arbres du jardin. Les branches
cassent.
C'est la nuit pour toujours, puisque
je marche seul
dans ce jardin, et que la nuit
m'enferme dans sa glace.

Ô mon amour, mon amie
de si loin
retrouve-moi parmi les jours qui se ressemblent.


[ESTEBAN, “Voyage d’hiver”]

terça-feira, 10 de novembro de 2009

labirinto entre três poemas


No habrá nunca una puerta. Estás adentro
Y el alcázar abarca el universo
Y no tiene ni anverso ni reverso
Ni externo muro ni secreto centro.



Em um dia do homem estão os dias
do tempo, desde aquele inconcebível
dia inicial do tempo, em que um terrível
Deus prefixou os dias e as agonias.
Sei que na sombra há Outro, cuja sorte
é esgotar as longas saudades
que tecem e destecem este Hades,
é desejar meu sangue e devorar minha morte.

(Não esperes que o rigor de teu caminho
que persistente se bifurca em outro
terá fim. É de ferro o teu destino
como o teu juiz. Não aguardes a investida
do touro que é um homem e cuja estranha
forma plural dá horror à teia
de interminável pedra entretecida.)

Não existe. Nada esperes. 
Nós dois nos buscamos. Oxalá fosse
Este o último dia de espera.

Não haverá nunca uma porta. Estás dentro.

– Dá-me, Senhor, coragem e alegria
            Para escalar o cume deste dia.



En un día del hombre están los días
del tiempo, desde aquel inconcebible
día inicial del tiempo, en que un terrible
Dios prefijó los días y agonias
(...)
Dame, Señor, coraje y alegría
para escalar la cumbre de este día.

Sé que en la sombra hay Otro, cuya suerte
es fatigar las largas soledades
que tejen y destejen este Hades
y ansiar mi sangre y devorar mi muerte.
Nos buscamos los dos. Ojalá fuera
éste el último día de la espera.

No esperes que el rigor de tu camino
Que tercamente se bifurca en otro,
Tendrá fin. Es de hierro tu destino
Como tu juez. No aguardes la embestida
Del toro que es un hombre y cuya extraña
Forma plural da horror a la maraña
De interminable piedra entretejida.
No existe. Nada esperes. Ni siquiera
En el negro crepúsculo a fiera.


[BORGES, "james joyce" / "o labirinto" / "labirinto" ]

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

força da inércia

Ela não estava no Prévost; ele resolveu procurá-la pelos restaurantes e boulevards. Para ganhar tempo, enquanto visitava uns, enviou a outros o seu cocheiro Rémi (o doge Loredano de Rizzo), e foi esperá-lo em seguida - não a tendo encontrado - no lugar que haviam combinado. O carro demorava a voltar e Swann imaginava o próximo instante, ao mesmo tempo, como aquele em que Rémi lhe diria: "ela está ali..." ou como o instante em que ele lhe diria "ela não estava em lugar nenhum". E assim, via para o fim de sua noite uma de duas alternativas: seja o encontro com Odette, que cessaria sua angústia; seja a renúncia forçada a encontrá-la, conformado em voltar pra casa sem tê-la visto.

O cocheiro voltou, mas, no momento em que parou à sua frente, Swann não lhe disse: "Achou?", mas sim: "Me lembre de encomendar lenha amanhã, acho que as reservas estão acabando". Talvez pensasse que se Rémi tivesse encontrado Odette em algum lugar, onde ela estivesse esperando por ele, seu fim de noite nefasto estaria já superado, pois começava a se apresentar a ele um fim de noite feliz e, portanto, não havia pressa para tocar a felicidade já conquistada e certeira, que não lhe escaparia mais. Mas fazia isso também por força da inércia; ele tinha na alma a mesma falta de agilidade que certas pessoas têm no corpo, essas que, no momento de evitar um golpe, de afastar uma chama da roupa, executar um movimento urgente, dão tempo ao tempo, começam por permanecer um segundo na situação em que se encontravam antes, como que para encontrar um ponto de apoio, tomar impulso. E, sem dúvida, se o cocheiro o tivesse interrompido dizendo: "A mulher está lá", ele teria respondido: "Ah é? Eu o tinha encarregado de procurá-la... nem me lembrava!", e teria continuado a falar da provisão da lenha, para esconder a emoção que sentia e conceder-se o tempo de romper com a inquietação e entregar-se à ventura.


Elle n’était pas chez Prévost; il voulut chercher dans tous les restaurants des boulevards. Pour gagner du temps, pendant qu’il visitait les uns, il envoya dans les autres son cocher Rémi (le doge Loredan de Rizzo) qu’il alla attendre ensuite—n’ayant rien trouvé lui-même—à l’endroit qu’il lui avait désigné. La voiture ne revenait pas et Swann se représentait le moment qui approchait, à la fois comme celui où Rémi lui dirait: «Cette dame est là», et comme celui où Rémi lui dirait, «cette dame n’était dans aucun des cafés.» Et ainsi il voyait la fin de la soirée devant lui, une et pourtant alternative, précédée soit par la rencontre d’Odette qui abolirait son angoisse, soit, par le renoncement forcé à la trouver ce soir, par l’acceptation de rentrer chez lui sans l’avoir vue.

Le cocher revint, mais, au moment où il s’arrêta devant Swann, celui-ci ne lui dit pas: «Avez-vous trouvé cette dame?» mais: «Faites-moi donc penser demain à commander du bois, je crois que la provision doit commencer à s’épuiser.» Peut-être se disait-il que si Rémi avait trouvé Odette dans un café où elle l’attendait, la fin de la soirée néfaste était déjà anéantie par la réalisation commencée de la fin de soirée bienheureuse et qu’il n’avait pas besoin de se presser d’atteindre un bonheur capturé et en lieu sûr, qui ne s’échapperait plus. Mais aussi c’était par force d’inertie; il avait dans l’âme le manque de souplesse que certains êtres ont dans le corps, ceux-là qui au moment d’éviter un choc, d’éloigner une flamme de leur habit, d’accomplir un mouvement urgent, prennent leur temps, commencent par rester une seconde dans la situation où ils étaient auparavant comme pour y trouver leur point d’appui, leur élan. Et sans doute si le cocher l’avait interrompu en lui disant: «Cette dame est là», il eut répondu: «Ah! oui, c’est vrai, la course que je vous avais donnée, tiens je n’aurais pas cru», et aurait continué à lui parler provision de bois pour lui cacher l’émotion qu’il avait eue et se laisser à lui-même le temps de rompre avec l’inquiétude et de se donner au bonheur.

[PROUST, Du côté de chez Swann]